Tendo origem no dogma religioso, o fanatismo não se restringe a esse campo único; existe fanatismo por uma raça, um time de futebol, por um partido político, sobretudo por ideologias revolucionárias quando extrapolam a dimensão racional, sentindo-se guiada pela "fantasia da escolha divina". Foi fanatismo religioso que fez muitos seguirem Jin Jones (Templo do Povo), Asahara (Verdade suprema), David Koresh (Ramo dravidiano), Jo Dimambro (Templo Solar) e tantos outros místicos ou charlatães que terminaram causando tragédias coletivas, noticiadas no mundo todo. A história conheceu também os histerismos coletivos da "caça as bruxas", a perseguição aos negros, índios, comunistas, homossexuais, prostitutas. O movimento do Jihad islâmico contra os “infiéis do ocidente” e a “guerra aos terroristas" do ocidente cristão demonstra que o fanatismo está vivo e atuante em nossa época supostamente "científica" e "tecnológica". Precisamos admitir que, a história da humanidade é também a história dos vários fanatismos dominando grupos humanos, sempre com conseqüências trágicas. Esse pedaço da história renegado nos causa vergonha, medo e sinalizam alertas para possíveis efeitos negativos no rumo da civilização.
Como dissemos, o fanatismo atua para além do efeito religioso, mas não extrapola ao campo ideológico como um todo. Há fanatismo entre crentes de todo o tipo, do menos ao mais irracional. Mas, não existe fanatismo racional, em que pese o fato de um certo tipo de razão (instrumental, cínica, etc.) também ter cometidos os seus desatinos e crimes. Assim, para o fanático religioso, não basta adorar um Deus visto como Senhor absoluto, é necessário ser soldado dele na terra, lutar pela causa superior, pregar, exorcizar, forçar os "infiéis" ou "divergentes" à conversão absoluta, à qualquer preço. O fanático está sempre disposto a dar provas do quanto sua causa suprema vale mais do que as próprias vidas: dele, de sua família ou mesmo de toda a humanidade. Ele mata por uma idéia e igualmente morre por ela.
Os sintomas do fanatismo são:
Em grupo, são: orações, privações, peregrinações, jejum, discursos monológicos e martírios que podem terminar com o sacrifício da própria vida visando salvar o mundo das "trevas" ou do que ele entende ser "o mal".
O fanático não fala, faz discursos; é portador de discursos prontos cujo efeito é a pregação de fundo religioso ou a inculcação política de idéias que poderá vir a se tornar ato agressivo ou violento, tomado sempre como revelação da "ira de Deus" ou "a inevitável marcha da história" ou, ainda, a suposta "superioridade de uns sobre os demais". Faz discursos e não fala, porque enquanto a fala é assumida pelo sujeito disposto ao exercício do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade, os discursos - especialmente o discurso fanático - fazem sumir os sujeitos para que todos virem meros objetos de um desejo divinizado; servir ao desejo divino e à produção da repetição de algo já pronto, onde o retorno do recalcado do sujeito faz do Eu (ego) um porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para reinar o Bem.
Os textos sagrados, tomados literalmente, fornecem a sustentação "teórica" do discurso fundamentalista religioso; com ele, o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a verdade e por isso não se dá ao trabalho de levantar possíveis dúvidas, como confrontar com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido de interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc. O fanático tem certeza e isso lhe basta. Creio porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade. (Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada vale porque é "raramente objetiva: geralmente não passa de um forte sentimento de confiança, ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente", já a verdade tem estatuto de objetividade, na medida em que "consiste na correspondência aos fatos", na possibilidade da discussão racional com sentido de comprovação. (Popper, 1988, p. 48).
O problema da religião não é a paixão "fé", mas a inquestionalidade de seu método. O método de qualquer religião traz uma certeza divulgada em forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador de rua, vivem o circuito repetitivo do monólogo da pregação; acreditam que "vale tudo" para difundir a "verdade única" que o tocou e o transformou para sempre! O estilo fanático usa e abusa do discurso monológico delirante, declarações, comunicados, que jamais se voltam para escuta ou o diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade - não a "certeza".
Psicopatologia do fanatismo:
Do ponto de vista psicopatológico, todo fanatismo parece ter relação com a fuga da realidade. A crença cega ou irracional parece loucura quando se manifesta em momentos ou situações específicas, porém se sua inteligência não está afetada, o fanático aparentemente é um sujeito normal. No entanto, torna-se um ser potencialmente explosivo, sobretudo se o fanatismo se combinar com uma inteligência tecnologicamente preparada. Fanático inteligente é um perigo para a civilização. O terrorismo, por exemplo, que atua com a única meta de destruir inimigos aleatórios são realizados por indivíduos fanáticos cuja inteligência é instrumentada apenas para essa finalidade. No terrorismo é uma das expressões do fanatismo combinado com uma inteligência tecnológico, mas totalmente incapaz de exercitá-la por meios mais racionais, políticos e legais. Para o terrorismo sustentado no fanatismo, os inocentes devem pagar pelos inimigos; a destruição deve ser a única linguagem possível e a construção de um novo projeto político-econômico, não está em questão, porque a realidade no seu todo é forcluída
O fanatismo parece surgir de uma estrutura psicótica. O fato do sujeito se ver como o único que está no lugar de certeza absoluta, de "ter sido escolhido por Deus para uma missão "x", já constitui sintoma suficiente para muitos psiquiatras diagnosticarem aí uma loucura ou psicose. Mas, seguindo o raciocínio de Freud, vemos que "aquilo que o psicótico paranóico vivencia na própria pele, o parafrênico experiência na pele do outro" , ou seja, somos levados a supor que o fanatismo está mais para a parafrenia que para a paranóia. Hitler, antes considerado um paranóico, hoje é mais aceito enquanto parafrênico , pois seus atos indicam sua idéia fixa pela supremacia da raça ariana e a eliminação dos "impuros"; mais ainda, o gozo psíquico do parafrênico não se limita "ser olhado" ou "ser perseguido", tal como acontece com paranóicos, mas sim se desenvolve "uma ação inteligente de perseguição e extermínio de milhares de seres humanos", donde extrai um quantum de gozo sádico. Portanto, deve existir membros de um grupo de fanáticos paranóicos, mas certamente o pior fanático é o determinado pela parafrenia, pois visa de fato destruir em atos calculados "os impuros", "os infiéis", enfim, todos os que não concordam com ele.
Hitler e seus comparsas usaram de inteligência para inventar e administrar a chamada "solução final" contra os judeus, porém, antes de ser este um fato criminoso era uma exigência interna de seu próprio psiquismo. Na parafrenia vigora a compulsão de observar e atuar o ser do Outro como alimentador de seu delírio interno. O parafrênico "faz acting out em nome de..." e jamais assume seu ato criminoso, pondo a responsabilidade em alguém que para ele encarna o "mal". Para sua "lógica", as vítimas são os únicos responsáveis. É curioso observar que ontem os judeus se agarravam ao sacrifício do holocausto como modo de explicação da tragédia em que eram vítimas, mas hoje a ultra direita israelense, no poder, parece resgatar dos nazistas essa terrível idéia da "solução final" contra os palestinos. "Quem lutou muito contra dragão, também vira dragão", diz um antigo provérbio chinês.
Os fanáticos pela "solução final" dos judeus, no Julgamento de Nuremberg, não se consideravam culpados ou com remorsos pelo extermínio coletivo. Goering, considerado o segundo homem depois de Hitler, tentou se defender segundo o princípio de sua lealdade e fidelidade para com o Führer; "cumprira ordens" e "nenhuma vez ele se considerou um criminoso". Eis a "razão cínica": a culpa pelo genocídio era dos próprios judeus gananciosos por dinheiro, não de seus carrascos nazistas. Os israelenses da "era Sharon" também não se responsabilizam pelos atos criminosos de Israel contra os palestinos generalizados como terroristas.
Se no fanatismo o sujeito inexiste para dar lugar ao Senhor absoluto e maravilhoso, então faz sentido não assumir a sua própria responsabilidade, porque ela é "obra do Senhor" [Werk de herrn.] , "o Senhor quer que eu faça", "foi a mão de Allah" , etc. São mais do que frases, são efeitos de uma poderosa "fantasia da eleição divina" [sic!] onde o sujeito é nadificado para dar lugar ao discurso delirante da salvação messiânica. O mundo fanático foi dividido entre "os eleitos" e os que continuam nas trevas e que precisam ser salvos ou serem combatidos por todos os meios, pois "são forças do mal".
O famoso caso Schreber, analisado por Freud, que acreditava ter recebido um chamado de Deus para salvar o mundo, que lhe era transmitido por uma linguagem particular - só entre ele e Deus - , tornou-se o modelo psicanalítico para se pensar a relação loucura e fanatismo. Como já dissemos, o fanatismo é sustentado por sistema de crença delirante, psicótico, dominado por uma autoridade absoluta e invisível (Deus ou a causa da "supremacia da raça ariana", ou a "missão do povo judeu", ou "a Jihad islâmico”, "ou salvar o mundo do diabo", enfim, um significante posto no lugar "absoluto" que comanda a ação do grupo fanático, etc.). Segundo a psicanálise, isso poderia apontar para a hipótese de um "complexo paterno" de origem.
A leitura lacaniana fala de "um buraco no Nome-do-Pai, que produz no sujeito um buraco correspondente, no lugar da significação fálica, o que provoca nele, quando é confrontado com essa significação fálica, a mais completa confusão. É isso que desencadeia a psicose de Schreber, no momento em que ele próprio é chamado a ocupar uma função simbólica de autoridade, situação à qual só teria podido reagir com manifestações alucinatórias agudas, às quais a construção de seu delírio iria pouco a pouco fornecer uma solução, constituindo, no lugar da metáfora paterna fracassada, uma "metáfora delirante", destinada a dar um sentido àquilo que, para ele, era totalmente desprovido de sentido".
Os primeiros sintomas de fanatismo e suas estratégias de sedução:
O início de qualquer fanatismo consiste, em primeiro, reconhecermos um sujeito ou grupo estarem convictos, quando julgam de posse de uma certeza que recusa o teste da realidade. Nietzsche dizia que "as convicções são piores inimigas da verdade do que as mentiras", porque quem mente sabe que está mentindo, mas quem está convicto não se dá conta do seu engano. "O convicto sempre pensa que sua bobeira é sabedoria". Até no campo científico, há cientistas correndo o perigo de tornarem-se convictos de suas teses. Edgar Morin analisa que quando algumas idéias se tornam supervalorizadas e adquirem um caráter de grandiosidade e absolutismo tende a levar os seus sujeitos a abdicarem de seu raciocínio crítico e se tornarem meros objetos dessas idéias. Indivíduos assim submetidos a tão grandes idéias, fazem qualquer coisa para "salva-las" de um possível furo de morte; elas funcionam como muleta existencial. Isso acontece principalmente no meio religioso, mas também pode ocorrer nos meios político, filosófico e científico.
O segundo sinal do fanatismo é quando alguém quer impor a todos de modo tirânico a "verdade" única extraída de sua inspiração ou crença absoluta. Pretende assim a uniformização via linguagem, através de aparência física, rituais e slogans do tipo: "O único Deus é Allah", "só Cristo salva", "Jesus Cristo é o Senhor", "somos o Bem contra o Mal", "Em nome do Senhor Jesus eu ordeno..." São expressões de caráter estereotipado, sustentado por uma "estrutura de alienação do saber", onde o discurso passa a falar sozinho, é uma resposta que está no gatilho, pronta para qualquer emergência que o sujeito não quer pensar. Observem o caráter tirânico, narcisista e excludente dessas afirmativas. Todos possuem uma visão que nega outros modos de crer e pensar. O mesmo acontece nos auto-elogios das pessoas de raça branca e o desprezo pelas outras como proclamam os fanáticos da extrema direita, nas ações violentas de uma torcida sobre a outra, todos, sinalizam que o indivíduo se rende ao grupo e este "a causa". Os recém convertidos de qualquer seita religiosa ou política estão sempre convictos que, finalmente, contemplam a verdade e essa tem que ser imposta a todos, custe o que custar.
O terceiro indicativo de fanatismo, já dissemos, é quando uma pessoa passa a colocar uma causa suprema (podendo esta ser justa ou delirante) acima da vida dela e dos outros.
Quarto, quando um indivíduo e/ou grupo se isolam da convivência familiar e social e adotam um modo de vida narcísico (no igual modo de vestir, de cortar ou não cortar o cabelo, no jeito de falar, nas regras de comer, na ritualística, etc.), enfim, quando uniformizam seu discurso, gestos, postura, atitudes em geral e punem os que se recusam a seguir as regras impostas. Entrar para um grupo de fanáticos implica em renunciar: pai, mãe, os filhos, os amigos, o lugar onde viveu o trabalho, enfim, os membros são persuadidos a matarem os vestígios simbólicos da vida anterior para fazer renascer a vida em outra base moral e de fé.
Quinto, quando o indivíduo e/ou grupo perdem o bom-senso na lógica da comunicação e nas ações do cotidiano. O discurso passa a ser repetitivo e estranho à vida comum.
O sexto indício de fanatismo é quando se perde o sentido de respeito e humanidade para com os diferentes, em nome de uma causa transcendente.
O psicólogo francês, J-M. Abgrael, resume o método de doutrinação fanática em 3 etapas: 1o) sedução das pessoas para a "causa"; 2o) destruição da antiga personalidade, eliminação dos elos familiares, sociais e profissionais e 3o) construção de uma nova personalidade "renascida" ou "renovada", de acordo com o modelo e as regras da seita. Geralmente essa passagem da vida normal para a vida "renovada", há um ritual, algum tipo de batismo, onde se inicia a adoção de um novo nome, novos hábitos, apresentação de novas "famílias". Sentir-se incluso num grupo "de irmãos" ou "de luta pela causa" "é como estar apaixonado; surge uma sensação maravilhosa, tudo passa a fazer sentido na vida, a pessoa se sente acolhida e imensamente alegre". O indivíduo passa a se ver se modo especial, diferente dos demais para realizar a missão elevada; se vê inundado por um sentimento grandioso que Freud chama de "sentimento oceânico". Imagine um indivíduo desesperado, desgarrado de seu grupo social, sem uma forte identidade psicossocial cuja vida perdeu o sentido, ao ser acolhido em um grupo fanático, recebe mensagens confortadoras, do tipo: "nós amamos você", "você é muito importante para o projeto de Deus", "você faz parte de nossa vida", "Deus te ama", etc. Diz P. Demo (2001) "o sentimento de ser amado, move o entusiasmo mais do de qualquer coisa".
Faz parte da estratégia para atrair pessoas para novas seitas e igrejas, investir em programas produzidos para solitários que sofrem insônia e depressão nas madrugadas. Os desesperados sentem-se acolhidos com tais palavras mágicas e facilmente se sentem inclusos e maravilhados pela ilusão de nova vida e sentimento extremo de felicidade, numa igreja em que o fanatismo é o seu ponto cego.
Todo fanático é intolerante.
O fanatismo é a intolerância extrema para com os diferentes. Um evangélico fanático é incapaz de diálogo e respeito para com um católico ou um budista. Um fanático de direita não quer diálogo com os de esquerda. Organizações como a Ku Klux Klan são intolerantes igualmente com negros adultos, mulheres e crianças. Por isso se diz que há em cada fanático um fascista camuflado, pronto para emergir em atos de exclusão e eliminação.
O semiólogo e filósofo italiano, Umberto Eco, reconhecem que o protofascismo está presente nos movimentos fanáticos No campo político, não importa auto denominar-se de "esquerda" ou de "direita" pode existir um protofascismo. No fundo os atos terroristas são produzidos e sustentados por fanatismos de inspiração místico-fascista incapazes de diálogo ou argumento racional que esclarece sua causa objetiva. Não é sem sentido que os atos terroristas deixaram de dizer algo pela palavra e passaram a ser apenas o ato, o acting out. S. P. Rouanet diz que "os terroristas são agentes de uma ideologia religiosa extrema direita... que funciona como ópio do povo..." (A coroa e a estrela, FSP, Mais!, 18/11/01)
O fascismo, tanto o de Estado dos fundamentalistas religiosos, como o que está pulverizado nos atos do cotidiano das relações humanas, é fanático porque desrespeita, desconsidera, é intolerante quanto ao modo de ser, pensar e agir do outro, é tradicionalista-fundamentalista. Enquanto o fascista "quer o poder pelo poder", há o fanático "autêntico" que anseia dominar o mundo com sua crença, e o "fanático terrorista" que "deseja apenas destruir a estrutura de sustentação do inimigo". Mas, ambos, o fascismo e o fanatismo não são compatíveis com a democracia. Ambos pregam intolerância multi religiosa, a intolerância multicultural e multirracial e usam o espaço de liberdade democrática para espalhar o seu ódio e sua crença.
O sentimento que no fundo sustenta o fanatismo e o fascismo não é a fé, nem o amor [Eros], mas o ódio [Thanatos] e a intolerância. O desejo do fanático "autêntico" é dominar o mundo com seu sistema de crença cheio de certeza. No plano psíquico, o lugar do recalque torna-se depósito de ódio e desejo de eliminar todos os que atrapalham o seu ideal de sociedade. Certa dose de paciência doutrinada o faz esperar-agindo para que a "idade de ouro puro" possa um dia acontecer.
São tão fanáticos os terroristas-suicidas muçulmanos como os fundamentalistas cristãos norte-americanos que atacam clínicas de abortos, perseguem homossexuais, proíbe o ensino da teoria evolucionista de Darwin, obrigando aos professores ensinarem a doutrina criacionista tal como está na Bíblia, ou ainda, os protestantes da Irlanda do Norte que atacam crianças católicas ou os bascos que querem ser um país independente a qualquer preço, por meio do terror.
Alguns personagens "messiânicos" de nosso tempo, como Hitler, Idi Amin, Reagan, G. W. Bush, Sharon, os grupos dos martírios suicidas do Oriente Médio, entre outros, tem algo em comum: cada um se sente o escolhido para cumprir uma especial missão. Hitler discursou que "as lágrimas da guerra preparariam as colheitas do mundo futuro". G. Bush, na sua ânsia de guerra contra o ditador S. Hussein, não estaria delirando na mesma linha? Não é sem sentido que os EUA tem sido o solo fértil de seitas cristãs fanáticas. Uma delas, A Casa dos Filhos de Jeová, torce pelo mundo se acabar logo, porque seus membros acreditam que depois surgirá uma nova civilização do Bem.
Fanáticos e suicidas carecem de humor:
O fanatismo parece ser uma doença contagiosa, pois tem o poder de atrair adeptos geralmente em crise profunda de vida pessoal. Fanáticos e suicidas tem em comum a falta de humor e o desapego pela própria vida. A certeza cega tira-lhes o humor e os colocam no caminho do sacrifício místico.
O escritor e pacifista israelense, Amós Oz., numa carta ao escritor japonês Kenzaburo Oe, Prêmio Nobel de 1994, escreve ter encontrado a "cura para o fanatismo": o bom humor. Diz que: "nunca vi um fanático bem-humorado, nem alguém bem-humorado se tornar fanático". Oz. imagina uma forma mágica de prevenir o fanatismo: um novo tipo de messias que "chegará rindo e contando piadas".
Emil Cioran, um filósofo amargo e pessimista, vê nas atitudes dos céticos, dos preguiçosos e dos estetas, os únicos que verdadeiramente estão a salvo do fanatismo. Já os religiosos estreitos, os políticos sectários, os dogmáticos que habitam em todas as áreas do conhecimento, tendem ao fanatismo com seus instrumentos próprios. O fanático jamais se pensa ser fanático.
Enfim, é preciso estarmos atentos e preparados para resistir os apelos do fanatismo que como erva daninha não escolhe lugar para germinar e se alastrar. Os grupos fanáticos exercem um atrativo para os indivíduos que possuem uma estrutura psíquica vulnerável, os desesperados, os desgarrados, os avessos ao espírito crítico ou predispostos à crendice, ao desejo de encontrar uma certeza e a se "contentar-se com pouco" na terra, porque ele tem certeza de que ganhará na suposta vida após a morte. Tanto o fanatismo como a guerra estão entre as situações que se encontram na contramão da sabedoria.
Para prevenção do fanatismo:
Freud, como pensador evolucionista, pensava que só quando a civilização ascendesse à maturidade psíquica é que descartaria os mecanismos infantis ou alienantes cuja matriz é a religião. Segundo o fundador da psicanálise, a religião infantiliza as pessoas e as arrasta ao delírio de massa. O homem não poderia viver nesse estado de infantilismo para sempre, daí a urgente necessidade de um projeto de uma "educação para a realidade", que fortaleceria a vida intelectual, facilitando o acesso de todos ao conhecimento científico, por ser este verdadeiro. Ademais, a religião não fez e nem faz as pessoas felizes, mas, dá-lhes uma ilusão de felicidade; sem dúvida, ela tem o poder de controla os impulsos primitivos psicossexuais e proporciona alguma direção moral, que costuma ir além do necessário, ou seja, reprimindo o potencial criativo ou de prazer genuíno das pessoas.
Amós Oz., o escritor pacifista, sugere a criação de escolas em todo o mundo da disciplina "fanatismo comparado". Tal disciplina não apenas serviria para entender os fanatismos: religioso, nacionalista, racial, político, desportivo, mas também outros que passam despercebidos, como o "antitabagista" que poderia queimar os que fumam, o "vegetariano" que comeria vivo quem come carne, "o ecologista" que prefere salvar as baleias às pessoas famintas, etc. Uma disciplina como essa, teria uma função mais que educativa, teria uma preocupação preventiva quanto à possibilidade de "contágio" social do fanatismo, já que pode pegá-lo ao tentar curar alguém desse mal. "Conheço o perigo de se tornar um fanático antifanatismo", alerta o escritor.
Concluindo, resumimos que, previne-se o fanatismo com uma educação de boa qualidade, que saiba promover a cultura geral - mais do que a fé - e o sentido de grupo, de criatividade e humor.
Referências bibliográficas
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência. São Paulo: Loyola, 2001
BECKER, S. A fantasia da eleição divina; Deus e o homem. Rio de Janeiro: C. de Freud, 1999.
CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise. Porte Alegre: Artes Médicas, 1995.
CIORAN, E. Genealogia do fanatismo. In: Breviário da decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p.11-100.
DEMO, P. Dialética da felicidade; felicidade possível. V. 3. Petrópolis: Vozes, 2001.
ECO, U. A nebulosa fascista. In: Folha de S. Paulo – Mais!, 14/05/95.
ENZENSBERGER, H. M. Paranóia da autodestruição. Folha de S. Paulo - Cad. Mais! 11/11/2001, 5-7.
FREUD, S. [1911] Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides). Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XII p. 15 -105.
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